terça-feira, 9 de setembro de 2008

MEDIUNIDADE NOBRE

Tratava-se de uma sessão de clarividência e psicometria em respeitável Sociedade Espiritualista parisiense.

Sobre a mesa, diante da médium, respeitável senhora em cujo rosto sereno havia uma moldura de nobreza moral, encontravam-se fotografias, objetos de uso pessoal e pequenas bijuterias com o fim de facultar-lhe a percepção paranormal.

Havia uma expectativa compreensível, na sala repleta, onde minutos antes, outro médium, de procedência estrangeira, proferira palpitante conferência espírita que sensibilizara o auditório, ainda comovido, que o fora ouvir.

A médium, igualmente tocada, referiu-se à favorável psicosfera que pairava no ambiente, como decorrência das imagens mentais produzidas pelo orador que, reiteradas vezes, exaltara a vida e a obra de Allan Kardec, o missionário de Jesus, encarregado de codificar o Espiritismo, trazendo de volta o Cristianismo sem jaça, liberado dos artifícios com que a ortodoxia religiosa o obumbrara através dos séculos.

Após agradecer a contribuição espiritual e doutrinária que o orador trouxera à assistência, deu início à sua tarefa.

Visivelmente inspirada, em transe parcial, no qual transparecia a interferência dos Espíritos sérios, a intermediária identificou e transmitiu mensagens de desencarnados aos seus familiares sob emoção crescente do público.

Passando à psicometria, tomou de vários pequenos objetos, descreveu os seus possuidores, referiu-se a problemas de saúde de alguns, deu conselhos morais.

Quando tocou um chaveiro, corou, subitamente, dilataram-se-lhe as pupilas e ela, com alguma veemência, invectivou o seu dono para que não levasse adiante o plano que ora arquitetava e dera início à sua execução. Convidou-o a mudança de comportamento em relação à pessoa, sua vítima em potencial, orientou-o.

Irritado, o consulente reagiu, fazendo-se agressivo.

A dama, porém, segura do dever que lhe dizia respeito, não se desequilibrou.

Na primeira oportunidade, no entanto, esclareceu:

— Dedico-me à mediunidade há muitos anos, por amor ao meu semelhante, sem dela fazer negócio de qualquer natureza. Trabalhei, na minha profissão anterior, por árduos anos, até aposentar-me, de modo a não necessitar de vender as minhas faculdades psíquicas. Por isso, sempre adotei o sistema de dizer o que é justo e não só o que agrada. Não brinco neste ministério, que considero grava e digno, nele investindo os meus melhores recursos, minhas reservas de energia e de abnegação.

Fez uma pausa, concatenando as idéias e concluiu, igualmente inspirada:

— O orador referiu-se que Allan Kardec nos convidou à razão, ao livre exame, à procura honesta, elucidando que “seria melhor desprezar nove entre dez verdades, a aceitar uma só mentira”. Porque não cobro dinheiro, com a obrigação de elogiar os pagantes, não temo orientá-los com os recursos da verdade, que logro constatar.

O público, anuindo, aplaudiu-a, enquanto ela prosseguiu, tranqüila, no seu mister até a hora do encerramento.

-o-

Em qualquer lugar a verdade tem o seu lugar.

A verdade liberta e nunca se submete.

Para ser verdadeira, a mediunidade deve ser exercida com gratuidade, coerência e dignidade, sem o que se corrompe e se envilece.

A fim de alcançar esse desiderato, o conhecimento da Doutrina Espírita se lhe faz indispensável.

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