sábado, 23 de agosto de 2008

GAIOLA?

Há as feitas com ferro e cadeados.
Mas as mais sutis são feitas com desejos.
Esquisito o que vou dizer: a alma é uma biblioteca.
Nela se encontram as estórias que amamos.
Romeu e Julieta, Abelardo e Heloisa, O paciente inglês, As pontes de Madison, Amor nos tempos do cólera, A menina e o pássaro encantado.
As estórias que amamos revelam a forma do nosso desejo.
Delas, escolhemos uma.
É a nossa gaiola. Gaiola na mão, saímos pela vida à procura do nosso Pássaro.

Quando imaginamos havê-lo encontrado...
Que felicidade! Ficará feliz em nossa gaiola.
Será o amante da nossa estória de amor: eu para você, você para mim... Nós o colocamos lá dentro e pedimos que nos cante canções de amor.
Acontece que o Pássaro também tinha a sua estória.
E era outra. Todo Pássaro deseja voar.
Ele bate suas asas contra as grades, suas penas
perdem as cores e o seu canto se transforma em choro.
E, de repente, ele se transforma.
Não mais o reconhecemos.
É um outro.
Essa é a razão por que a dor da paixão satisfeita é muito maior.
Contada assim, a estória parece ter um vilão e uma vítima.
A verdade é que os dois são vilões, os dois são vítimas.
O desejo da gente é sempre engaiolar o outro e levá-lo pelos caminhos que são nossos.
Isso vale para tudo: marido-mulher, pai-filha, mãe-filho, patrão-empregado, professor-aluno...
Não admira que Sartre tenha dito que "o inferno é o outro".
Não haverá uma saída.
Lembro-me de um pequeno poema de Pearls que sugere a possibilidade de uma relação sem gaiolas:
Eu sou eu.
Você é você.
Eu não estou neste mundo para atender às suas expectativas.
E você não está neste mundo para atender às minhas expectativas.
Eu faço a minha coisa.
Você faz a sua.
E quando nos encontramos
É muito bom.

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