sábado, 30 de agosto de 2008

Eu envelheci

Um dia desses uma jovem me perguntou

como eu me sentia sobre ser velha.

Levei um susto,

porque eu não me vejo como uma velha.

Ao notar minha reação,

a garota ficou embaraçada,

mas eu expliquei que era uma pergunta interessante, que pensaria a respeito

e depois voltaria a falar com ela.

Pensei e concluí: a velhice é um presente.

Eu sou agora, provavelmente

pela primeira vez na vida,

a pessoa que sempre quis ser.

Oh, não meu corpo!

Fico incrédula muitas vezes ao me examinar,

ver as rugas, a flacidez da pele,

os pneus rodeando o meu abdome,

através das grossas lentes dos meus óculos,

o traseiro rotundo e os seios já caídos.

E constantemente examino essa pessoa velha

que vive em meu espelho

(e que se parece demais com minha mãe),

mas não sofro muito com isso.

Não trocaria meus amigos surpreendentes,

minha vida maravilhosa,

e o carinho de minha família

por menos cabelo branco ,

uma barriga mais lisa ou um bumbum mais durinho.

Enquanto fui envelhecendo,

tornei-me mais condescendente comigo mesma, menos crítica das minhas atitudes.

Tornei-me amiga de mim mesma.

Não fico me censurando

se quero comer um bolinho-de-chuva a mais,

ou se tenho preguiça de arrumar minha cama,

ou se compro um anãozinho de cimento

que não necessito,

mas que ficou tão lindo no meu jardim.

Conquistei o direito de matar minhas vontades,

de ser bagunceira, de ser extravagante.

Vi muitos amigos queridos

deixarem este mundo cedo demais,

antes de compreenderem a grande liberdade

que vem com o envelhecimento.

Quem vai me censurar se resolvo ficar lendo

ou jogar paciência no computador

até às 4 da manhã

e depois só acordar ao meio-dia?

Dançarei ao som daqueles sucessos maravilhosos

das décadas de 50, 60, 70 e se, de repente,

chorar lembrando de alguma paixão daquela época, posso chorar mesmo!

Andarei pela praia em um maiô

excessivamente esticado

sobre um corpo decadente,

e mergulharei nas ondas e darei pulinhos se quiser, apesar dos olhares penalizados dos outros.

Eles, também, se conseguirem,

envelhecerão.

Sei que ando esquecendo muita coisa,

o que é bom para se poder perdoar.

Mas, pensando bem, há muitos fatos na vida

que merecem ser esquecidos.

E das coisas importantes,

eu me recordo freqüentemente.

Certo, ao longo dos anos

meu coração sofreu muito.

Como não sofrer se você perde um grande amor,

ou quando uma criança sofre,

ou quando um animal de estimação

é atropelado por um carro?

Mas corações partidos são os que nos dão a força,

a compreensão e nos ensinam a compaixão.

Um coração que nunca sofreu é imaculado

e estéril e nunca conhecerá a alegria de ser forte, apesar de imperfeito.

Sou abençoada por ter vivido o suficiente

para ver meu cabelo embranquecer

e ainda querer tingi-los a meu bel prazer,

e por ter os risos da juventude

e da maturidade gravados para sempre

em sulcos profundos em meu rosto.

Muitos nunca riram,

muitos morreram antes

que seus cabelos pudessem ficar prateados.

Conforme envelhecemos,

fica mais fácil ser positivo.

E ligar menos para o que os outros pensam.

Eu não me questiono mais.

Conquistei o direito de estar errada

e não ter que dar explicações .

Assim, respondendo à pergunta

daquela jovem graciosa, posso afirmar:

"Eu gosto de ser velha".

Libertei-me!

Gosto da pessoa que me tornei.

Não vou viver para sempre,

mas enquanto estiver por aqui,

não desperdiçarei meu tempo

lamentando o que poderia ter sido,

ou me preocupando com o que virá.

E comerei sobremesa todos os dias

e repetirei, se assim me aprouver...

E penso que nunca me sentirei só.

Sou receptiva e carinhosa,

e se amizades antigas teimam em partir

antes de mim, outras novas,

assim como você,

vêm a mim buscar o que terei sempre para dar enquanto viver:

experiência e muito amor...

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